O despertador hoje tocou, como sempre, por volta das 6h30. Contudo, cientes da etapa bastante curta que tínhamos planeada para hoje e como a preguiça foi mais forte que nós, aproveitámos mais uma hora de sono enquanto alguns peregrinos menos madrugadores que o habitual se preparavam para sair. A ver nossa saída aconteceu às 09h, depois de um banquete ao pequeno almoço, resto do delicioso pão de Cea e como sempre os últimos a abandonar o albergue.

Após logo uma valente (mas curta) subida até um dos pontos mais elevados de Cea, deparámo-nos com uma bifurcação do caminho. Optámos pelo caminho de Oseira, das duas opções possíveis, porventura a mais difícil, instinto de sacríficio a manifestar-se, trilhos de difícil progressão, empedrados irregulares, bastante fechados, aparentemente a única coisa que teria passado por ali nos últimos tempos seria a água das chuvas características da Galiza.

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Beleza inquestionável, onde por vezes éramos premiados por túneis de vegetação, como se tivessem sido abertos propositadamente para nós! Uma etapa, aparentemente fácil, exigiu muito de nós nos primeiros 15 kms.
Encontrámos um enorme grupo de portugueses, muitos jovens, escuteiros, que nos animaram com grande entusiasmo à nossa passagem, reconhecendo a nossa bandeira de Portugal. Os montes enormes e vales profundos, fazem com que nos perdamos no horizonte, exigindo à maquina fotográfica que registe o momento com todo o rigor! Como tem sido hábito, íamos encontrando peregrinos, alguns desconhecidos, outros que conhecemos no albergue de Cea, como foi o caso dos 3 portugueses caminhantes que pernoitaram em Cea, trocámos impressões sobre as opções tomadas à saída de Cea, confirmaram-nos que a opção por eles tomada era mais ciclável. De facto optámos pelo desafio mais difícil! Muito sobe e desce, paragens para refrescar e respirar! Conversamos com as duas senhoras aldeãs galegas muito amáveis e conversadoras aquando da tentativa de fotografar um pequeno cordeiro que se mostrava tímido para a câmara.

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Chegando a Laxe, deparámo-nos com o albergue municipal ainda fechado, dado que ainda era cedo. Após questionarmos uma senhora que passava por perto, percebemos que Laxe é uma aldeia mesmo muito pequena e onde teríamos dificuldade para comprar posteriormente alguma mercearia para amanhã. Além disso, o albergue fica muito perto de uma zona de animais, pelo que o cheiro e a quantidade de moscas fez-nos pensar duas vezes se isso seria prenúncio de uma noite menos agradável e descansada. Assim sendo, e até porque não tínhamos sequer chegado à marca dos 40 quilómetros, optámos por fazer mais 10kms até Silleda, atraídos por uma deliciosa publicidade de um recente albergue turístico! Até lá, alternamos entre alcatrão, caminhos romanos bem irregulares, e caminhos dignos de qualquer jardim palaciano, sombrios e verdejantes. Antes de atravessar mais um nobre vestígio da romanização, ainda trocámos impressões com uma família emigrante em Londres que se deslumbrava numa deliciosa paisagem nas margens de um rio, que era atravessado por uma altíssima linha de comboio, local onde se tinha despenhado um comboio, explicou-nos a emigrante, filha da terra. Os destroços eram visíveis!

Chegamos ao albergue, onde rapidamente ficámos desiludidos com a opção tomada. Não se trata de um albergue como conhecemos, mas sim de um conjunto de 2 ou 3 apartamentos transformados numa espécie de pensão ou residencial. Não que os 8 euros por pessoa sejam exagerados ou que as condições de conforto sejam inferiores aos albergues normais (em bom rigor, até tem mais conforto e privacidade). O que acontece é que o ambiente dos albergues é parte integrante do Caminho é não viver essa parte é perder uma das coisas que torna os Caminhos de Santiago tão especiais.

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Mantivemos a rotina criada desde o primeiro dia inerente ao terminus de uma etapa, Logo depois fomos provar o famoso polvo que se transformou num abundante almoço! Cansados e saciados, resolvemos passar a tarde à espanhola, com uma “siesta”. Quando terminada era hora de jantar, resolvemos ir comer algo de pouco pesado, que se traduziu numa deliciosa costeleta de vitela 🙂 , que, pela sua espessura, mais parecia uma lista telefónica, saborosa por sinal! Foi um recarregar de baterias para o desejado dia de amanhã…. a chegada à praça do obradoiro em Santiago!

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Em nota de rodapé, é curioso constatar algo que o Frederico (peregrino de bicicleta que conhecemos há uns dias atrás) nos confessou: o caminho, seja qual for, divide-se normalmente em dois. Uma primeira parte, até faltarem 100 ou 150 quilómetros para Santiago, e outra parte a partir dessa marca de distância. Na primeira parte o típico peregrino é aquela pessoa respeitadora, calma, de alguma introspecção e tipicamente a viajar em autonomia (mochila ou alforges). Na segunda parte reina mais o peregrino que faz do Caminho um mero passeio, que tem o carro de apoio a libertá-lo da carga da mochila e que não respeita nem o Caminho por onde passa nem o espaço onde outros descansam. Prova disso foram as câmaras de ar que encontrámos pelo Caminho, uns jovens espanhóis que entenderam correcto atirar fora para o campo umas latas de refrigerante que tinham bebido, ou um grupo de espanhóis alojados no albergue onde estamos hoje que, por alguma razão, fizeram deste albergue uma espécie de acampamento base e têm estado a fazer os 50 quilómetros de aqui até Santiago aos poucos, regressando aqui em automóvel (que os acompanha em apoio). Não que isso seja impeditivo de um bom peregrino, embora pouco usual, mas o mesmo não se pode dizer da confusão e barulho mesmo em frente à porta de gente que pernoita aqui para descansar e prosseguir viagem. É curioso que nos albergues municipais é proibida a pernoita por mais de uma noite e agora percebe-se porquê. Viver o Caminho a 100% tem mesmo de incluir a viagem em autonomia e pernoitar em albergues (de preferência os municipais ou privados que se destinem unica ou preferencialmente a peregrinos), caso contrário perdem 2/3 da experiência. Não quero com isto dizer que sejam as únicas condições para viver verdadeiramente o Caminho, mas fazem toda a diferença.

Amanhã termina a nossa viagem. A nostalgia já se instala e o Caminho ainda não terminou. Acompanhem-nos na etapa final e vejam a nossa chegada em directo através da webcam que está na Praça do Obradoiro que podem ver no nosso site em http://www.rumoasantiago.com/blog/webcam-na-praca-do-obradoiro/

Bom Caminho!

5 Comentários

  1. Parabéns!

    Nós somos o grupo de 3 portugueses que encontratram em Cea! Também já chegamos e este foi sem dúvida o melhor dos 3 caminhos que já fizemos. Até a um próximo caminho!

    • Olá Sandra,

      Que bom saber de vós! Fico muito contente por ver que também chegaram bem e que este Caminho vos preencheu totalmente.
      Para mim foi também uma experiência muito gratificante. É difícil para mim compará-lo com os outros Caminhos que já fiz, porque cada um deles tem os seus pormenores bons e os menos bons. O que realmente gostei foi mesmo ter tido a oportunidade de conhecer o lado mais rural da Espanha, de tão genuíno que é. No Caminho Francês também passamos por terras muito pequenas, mas de facto a vertente demasiado comercial desta via acaba por desvirtuar um pouco a experiência.
      Fiquei também bem impressionado com as condições dos albergues onde ficámos. Estava à espera de algo um pouco mais rudimentar e básico. O facto de haver pouca gente no Caminho também ajuda a que haja mais condições (de higiene, por exemplo), mas a verdade é que, tirando um ou outro lugar (mais na zona de Andaluzia e Extremadura), até há muito alojamento disponível.

      Espero mesmo poder encontrar-vos num próximo Caminho!

  2. Olá,

    Somos o casal de Portugueses que acompanhava a Sandra Cruz. Uma vez mais, a realização “do caminho” foi uma excelente experiência. Parabéns pela vossa iniciativa e continuem a divulgar “o caminho”.

    Até ao próximo!

    • Olá Paula e António!

      Muito obrigado pela vossa mensagem. Conhecemos bastantes pessoas no Caminho com quem falámos e convivemos que provavelmente nunca voltaremos a ver. Contudo, é sempre bom ter notícias posteriormente, é como que um prolongar do Caminho que tanta saudade deixa.

      Bom Caminho!

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