Análise da bicicleta Scott Spark 20
A edição de 2012 do projeto Rumo a Santiago contou com o fantástico apoio da Scott Portugal e Bikezone Leiria que, em conjunto nos disponibilizaram as duas Scott Spark 20 que nos acompanharam ao longo das 15 etapas e 1000 quilómetros que separam Sevilha de Santiago de Compostela.
A escolha de uma bicicleta para uma travessia de longa distância não é consensual. Por um lado, uma bicicleta de suspensão total oferece um conforto inigualável e uma maior segurança pela tração que proporciona. Por outro lado, uma bicicleta semi-rígida (sem amortecedor atrás) permite uma maior escolha no que diz respeito ao modo de transportar a carga, dado que é muito mais fácil encontrar soluções de alforges para este tipo de bicicleta.
No nosso caso, a decisão pelas mochilas já estava feita há algum tempo. Isso permitiu-nos considerar sem qualquer problema um modelo de bicicleta de suspensão total. Os nossos patrocinadores Scott Portugal e Bikezone Leiria decidiram em conjunto disponibilizar duas bicicletas Scott Spark 20 tamanhos L e S e é este modelo que iremos analisar neste artigo.
Estas são as especificações técnicas da bicicleta:
Quadro | Spark Carbon, Tecnologia IMP5, HMF NET, Eixo Pedaleiro 92, Triângulo traseiro em liga com Post Mount para discos de 160mm, Link U-Mono, Tubo de direção Cónico, Dropouts IDS SL para 142 x 12mm, altura do eixo pedaleiro ajustável, curso traseiro de 120mm |
Suspensão | Rock Shox SID RL3 Air, DNA3 com amortecimento personalizável com 3 modos (controlo remoto Twinloc), coluna de direção cónica, ajuste de retorno, curso de 120 mm |
Desviadores | Shimano XT, RD-M780 SGS, Shadow Type (traseiro) / Shimano XT FD-M780-E / DM (dianteiro) |
Manípulos de velocidade | Shimano XT SL-M780, Rapidfire Plus, 2 way release, Ispec clamp |
Manípulos de travão | Shimano XT, BL-M785 para Disco |
Travões | Shimano XT, Disco BR-M785 Disc, Rotores SM-R75 de 180mm à frente e 160mm atrás |
Pedaleiro | Shimano XT, FC-M780, Hollowtech 2, 42Ax32Ax24A T |
Guiador | Scott Pilot 15 Pro, D.B., elevação de 15mm, OS, 680mm, punhos Scott lockon |
Avanço de guiador | Scott Pro, Oversize 31.8mm, 1 1/8“, ângulo 6° |
Espigão de selim | Scott RC 05-60, 31.6mm |
Selim | Selle Italia SLR XP Team Edition, Vanox |
Cubos | DT Swiss XR20 Disc IT, RWS QR (dianteiro) / DT Swiss XR20 Disc IT, 12 x 142mm, RWS (traseiro) |
Corrente | Shimano CN-HG74 |
Cassete | Shimano XT, CS-M771-10, 11-36 T |
Raios | DT Swiss Super Comp black |
Aros | DT Swiss XR20 Disc, 28H, Tubeless ready |
Pneus | Schwalbe Rocket Ron EVO, 26 x 2.25, 127EPI Kevlar Bead, Tubeless ready, Pace star compound |
Amortecedor | Scott DT Nude2, 3 modes Lockout-TC-AT, Juntas esféricas, 190 x 50mm, ajuste de retorno |
O quadro
A bicicleta tem uma geometria preponderantemente desportiva e ágil, com um slope relativamente acentuado. A condução não é, contudo, demasiado “racing”, isto é, não nos vemos obrigados a inclinar-nos demasiado para a frente para pilotar a bicicleta, mesmo tendo em consideração que a bicicleta tamanho L foi pilotada por alguém com 1.85m de altura.
Com um quadro em carbono, a primeira ideia que surge é um peso ultra leve. A Spark 20 não desilude nessa matéria, com os seus 10.9KG de origem (sem pedais). Não se pode afirmar como a bicicleta mais leve do mercado, até porque nesse campo competem as Spark mais de topo de gama (SL, Premium e RC, com pesos abaixo dos 10KG). A escora traseira é fabricada em liga de alumínio o que, a par de algum equipamento de gama média/alta, contribui para os quase 11KG do conjunto. Ainda assim, é nossa opinião que se trata de uma bicicleta bastante ágil e leve. A fixação deste cabo através de abraçadeiras plásticas (as “zip ties”) também não nos parece uma solução muito elegante para uma bicicleta tão bela como esta, mas isso é apenas um detalhe.
Os cabos são (quase) todos de passagem interna pelo quadro. A exceção aplica-se ao tubo hidráulico do travão traseiro, que passa por baixo do tubo inferior do quadro. Não é, na nossa opinião, a solução mais adequada, não só porque o cabo hidráulico fica muito mais exposto a possíveis obstáculos (pedras, ramos, etc) na zona junto ao eixo pedaleiro, mas também fica mais sujeito a apertos quando a bicicleta é transportada em suportes de tejadilho (como no caso do Thule ProRide 591 em que transportámos as bicicletas).
O equipamento
A transmissão, composta integralmente por componentes XT, é fabulosa. Composta por uma combinação de 3×10 mudanças, é possível em qualquer altura encontrar uma combinação de mudanças à frente e atrás que nos permita manter a cadência ideal independentemente da inclinação do terreno. O prato grande (“talega”) do pedaleiro tem 42 dentes, o que permite utilizar este prato em mais ocasiões e tomar partido da ampla gama de mudanças a maior velocidade.
Outra surpresa positiva foram os manípulos de mudanças. Sou um adepto da SRAM desde o momento em que experimentei a transmissão X9 que equipa a bicicleta que me acompanha nas voltas de BTT desde 2008. Desde então que estava um pouco afastado das inovações da Shimano e apreciei o facto de a gama XT, entre outros aspetos de relevo, ter passado todo o controlo para o polegar. Além do mais, a possibilidade de saltar várias mudanças num movimento só de alavanca deixa de ser um exclusivo da redução de velocidades, a alavanca mais pequena também permite saltar múltiplas mudanças na engrenagem de velocidades mais rápidas (carretos mais pequenos na cassete).
O desviador traseiro é de grande eficácia não só na engrenagem de mudanças, mas também na sua função de esticador da corrente. Constatámos que mesmo em pisos muito acidentados, onde normalmente os movimentos de chicote da corrente são comuns, a corrente nunca chega a tocar na escora. Esta era uma das caraterísticas diferenciadoras da SRAM em relação à Shimano há algum tempo atrás e que deixou de ser um exclusivo da SRAM.
Uma nota positiva para a afinação da transmissão: nos 1000 quilómetros que percorremos, houve apenas a necessidade de fazer uma afinação inicial do desviador dianteiro de uma das bicicletas e uma afinação pontual no desviador traseiro da segunda bicicleta para corrigir a tensão no cabo.
O sistema de travagem XT, que equipa ambas as rodas deste modelo, também nos proporcionou uma boa experiência. São bastante progressivos, o que nos permite dosear corretamente a pressão da travagem conforme o trilho. Há, contudo, alguns aspetos passíveis de serem melhorados: as pastilhas de travão tendem a encostar ligeiramente nos discos (não é crítico e corrige-se com uma ou duas travagens repentinas e curtas) e nota-se que ao fim de uma ou outra solicitação mais contínua os travões denunciaram alguma fadiga. Talvez não fosse má ideia a opção por uns rotores um pouco maiores, principalmente à frente, para fazer frente a descidas mais íngremes.
As rodas pareceram-nos muito boas. Não tenho grandes referências no que diz respeito a rodas de qualidade, mas estas (fornecidas pela DT Swiss) aliam um peso bastante reduzido a uma boa resistência a abusos. Nas poucas ocasiões em que foi necessário desmontar as rodas o peso até causava alguma impressão, dado que as rodas, em termos de aspeto, não indiciam um peso tão reduzido.
Os eixos de 12mm (passante na roda de trás) são das melhores pequenas invenções no mundo do BTT. Para além da rigidez acrescida que estes eixos têm, a forma como apertam (por movimento rotativo, em vez de rodar e depois fazer pressão na alavanca para fechar o aperto) é muito mais prática do que o modo convencional.
Os pneus Schwalbe Rocket Ron são adequados ao conjunto, tratando-se de uma bicicleta muito virada para o XC. Gostaríamos, contudo, de referir que talvez não sejam a melhor opção para percursos de longa distância que incluam muitos desafios técnicos com pedra. O único furo que tivemos na viagem foi, à primeira vista, causado precisamente por uma pedra, atendendo ao aspeto do furo. O líquido vedante fez o seu trabalho, mas optámos por substituir a câmara de ar por uma outra e proteger a zona do furo no pneu com a chamada “fita americana”.
Deixámos o sistema TWINLOC para último, porque merece um destaque especial. Este é, sem dúvida, um dos grandes trunfos da SCOTT e é algo que devia ser obrigatório em todas as bicicletas de suspensão total :). Este sistema permite controlar o curso e o bloqueio do amortecedor e da suspensão a partir de uma única alavanca (que pesa apenas 48g) colocada no lado esquerdo do guiador. Na primeira posição (Full Mode), ambos o amortecedor e a suspensão trabalham livremente nos seus 120mm de curso. Na segunda posição (Traction Mode), o curso (do amortecedor e da suspensão) baixa para 85mm e a resposta do amortecedor é modulada de modo a exercer mais força mais perto do limite do curso. Na terceira posição (Lockout Mode), o amortecedor e a suspensão são completamente bloqueados.
Este controlo de 3 posições do amortecedor e da suspensão permitem ajustar o comportamento e rendimento da bicicleta a qualquer situação sem tirar as mãos do guiador ou ter de usar múltiplas alavancas para obter o mesmo efeito. Fizemos um uso exaustivo desta funcionalidade, dada a diversidade de terrenos com que nos deparámos.
Este sistema está aliado a uma suspensão Scott DNA3 (uma Rock Shox SID RL3 “vitaminada” com o sistema TWINLOC) e um amortecedor Scott Nude2 (que equipa esta Spark 20 e os modelos acima desta na gama Spark).
E o comportamento?
Mais do que nas especificações, é no terreno que esta Scott Spark 20 se afirma como uma verdadeira máquina devoradora de quilómetros em trilhos! A precisão da transmissão é fantástica, com mudanças de velocidade em fracções de segundo. O peso baixo do conjunto garante uma progressão no terreno de forma feroz, como se (quase) não houvesse subidas e como se as descidas técnicas e acidentadas fossem simples estradões.
Pudemos por à prova todas as capacidades desta grande máquina, pois para além de simples estradões sem grandes dificuldades, tivemos de ultrapassar muitos trilhos estreitos (autênticos single tracks) e irregulares em subida com muita pedra (vestígios de antigas estradas romanas), bem como descidas vertiginosas de piso repleto de pedras (relativamente grandes) de granito soltas ou lajes de xisto também com muita pedra solta.
E que se desenganem aqueles que pensam que, por não ter uma bicicleta topo de gama, não conseguimos enfrentar as subidas mais íngremes. Com exceção para as subidas que, mesmo a pé, foram difíceis de realizar, não houve nenhuma subida que nos tenha obrigado a apear. E diga-se de passagem, a Via de la Plata tem alguns percursos cujas subidas podem causar algum desalento a quem as aprecia durante demasiado tempo antes de as abordar :).
Em qualquer uma das ocasiões, as Spark 20 estiveram sempre à altura. Sabemos que esta gama da Scott tem como principal cliente o praticante de XC, mas sem dúvida que são máquinas que podem perfeitamente fazer umas boas incursões por percursos de Enduro. Os 120mm da suspensão e amortecedor são mais que competentes para essas incursões e o quadro é mais do que apto para absorver um ou outro abuso.
Gostaríamos também de fazer uma nota relativamente ao conforto da bicicleta: muito embora seja uma bicicleta claramente virada para a competição, tem um conforto que normalmente não encontramos em bicicletas desta gama. A rigidez do conjunto pode ser regulada com o sistema TWINLOC, o que nos permite transformar uma verdadeira F1 dos trilhos num todo-o-terreno capaz de absorver as maiores irregularidades e de manter a integridade física do ciclista e, no nosso caso em concreto, o traseiro incólume ao longo dos 15 dias sentados na bicicleta :).
Para finalizar, esta foi sem dúvida uma excelente opção para a nossa travessia. O nível da bicicleta foi sem dúvida um dos fatores de sucesso da viagem, pelo que agradecemos encarecidamente à Scott Portugal e à Bikezone Leiria por esta oportunidade e esperamos poder contar com a mesma colaboração numa próxima edição do projeto Rumo a Santiago!
De referir também que estas duas bicicletas (tamanhos S e L) estão disponíveis para venda nas instalações da Bikezone de Leiria com um desconto bastante apetecível. Os interessados deverão consultar a loja para mais informações.
Realmente, estas devoradoras de trilhos, proporcionaram-nos grandes momentos de diversão, tanto a subir, como a descer! Subscrevo, inteiramente, todos os detalhes referidos no artigo!
Eu tenho uma igual e posso garantir que ela é a minha companheira que provavelmente terei até a minha passagem.