Segunda feira, 19 de Junho
A visita pelo Caminho Francês seria breve. Com o acordar por volta das 4h portuguesas, houve tempo para uma vez mais preparar com calma o pequeno almoço e a logística habitual da mochila e da bicicleta.
Quando me meti ao Caminho já vários peregrinos caminhavam, alguns conhecidos do albergue onde tinha ficado esta noite, mas muitos outros que viriam já de outros locais.
O Caminho Francês é mesmo uma miscelânea de muitas coisas distintas. Por entre peregrinos turigrinos, táxigrinos e muitos outros mais, hoje descobri uma outra categoria: os electrigrinos. Ou seja, nada mais nada menos do que um ciclista “peregrino” que se fazia transportar numa bicicleta elétrica. Claro que cada um é livre de fazer o Caminho como bem entende, mas de certa forma isto soa um pouco a “batotice” 🙂
Em 2011 fiz o meu primeiro grande Caminho de Santiago em autonomia: o Caminho Francês desde Saint Jean Pied de Port. Na altura um dos companheiros que fez o Caminho comigo transportava a bagageira em alforges, o que condicionou um pouco a utilização de trilhos originais, levando-nos a optar por estrada mais do que eu desejava. Por isso este ano, na subida até à Cruz de Ferro, aproveitei para o fazer pelo trilho pedestre, que é um delicioso, embora duro, desafio técnico. Assim à chegada à Cruz de Ferro (que nunca mais aparecia!) teve um sabor ainda melhor!
Feita a foto da praxe, eis o segundo momento “what the….” do dia: um peregrino francês diz-me (pensava eu que como sugestão) que era melhor circular pela estrada. Eu respondo que prefiro seguir pelo trilho original, ao que ele me responde que por aí deviam ir só isso peregrinos a pé, que lá não é o lugar para bicicletas.
Embora eu compreenda a preocupação do senhor, pois tenho a certeza que há-de semore haver um tolo ciclista que se esquece dos peões (também faço Caminhos a pé e sei o que isso é). Claro que perante tal arrogância só me restou uma alternativa… Seguir pelo trilho original 🙂
A descida após a Cruz de Ferro é uma coisa do outro mundo. São quilómetros é quilómetros de ziguezagues, pedra, etc que esgotam a adrenalina que o corpo pode gerar. Ainda assim foi necessário refrear frequentemente essa adrenalina para abrandar para velocidade de passo sempre que avistei algum peregrino a pé, para não assustar e para passar em segurança.
A chegada a Molinaseca aconteceu depois dessa grande descida. Esta localidade é-me bastante querida, pois foi aqui que iniciei a minha segunda experiência a pé pelo Caminho de Santiago, em 2015.
Como eu estava muito adiantado no meu plano de viagem para hoje, decidi parar no albergue público de Molinaseca para comer uma sanduíche que anda a passear na mochila desde Santa Croya de Tera. Eis senão quando que pára mesmo em frente ao albergue, no outro lado da rua, uma carrinha que trazia pão e empanadas. Não resisti e tive de substituir a sanduíche por uma bela fatia… Seguida de outra… E de mais uma… A empanada eram gigante, mas o apetite aliado à logística chata de se guardar uma empanada numa mochila, lá tive de tratar de tudo na hora 🙂
Foi nessa altura que começou a chuviscar. Depois de aguardar um pouco para que a chuva abrandasse, segui viagem até chegar a Ponferrada.
Em Ponferrada aproveitei para regular (pela primeira vez) a pressão da suspensão e do amortecedor, que tinham sido postos à prova na grande descida de hoje. A mecânica tem sido uma verdadeira aliada desta viagem: a única manutenção tem mesmo sido limpar a transmissão (quando há hipótese) e colocar óleo na corrente. Nada mais do que isto!
Segui então na direção do Caminho de Inverno, deixando para trás o Francês.
A julgar pela paisagem deste primeiro dia, posso desdém já dizer que este se arrisca a ser um dia mais belos que já fiz. Trilhos fantásticos, paisagens deslumbrantes de cortar a respiração, dificuldade qb… Bela combinação de tudo!
Mas foi a componente humana que já fez valer a pena todo este esforço para chegar ate ao Caminho deste Inverno. No início da primeira subida “a sério” deste segmento do Caminho de Inverno conheci o Gerome, um norte-americano de Ohio de 66 anos que está a fazer o Caminho e que optou pelo Caminho de Inverno. É incrível a experiência que esteja senhor tem nestas aventuras e a humildade com que fala delas. E nem imaginam as histórias que ele tem para contar!
A cerca de 11km, num planalto, parámos para o Gerome repousar (traz consigo tudo, literalmente) e na troca de contacto telefónico falo por alto sobre o que me levou a fazer o Caminho deste ano. Ainda eu não tinha explicado o que era, já o Gerome me estava a colocar na mão uma nota de dinheiro americano! Eu ainda tentei recusar, pois não estava nada à espera de tamanho gesto, por cima vindo de alguém tão humilde. Escusado será dizer que esteja gesto me comoveu bastante e por tudo o que se falou, por toda aquela experiência fantástica de uma hora a conversar sobre as aventuras do Gerome, o meu Caminho, enquanto espírito do mesmo, está agora completo!
Mas eu tinha de seguir viagem e quando entretanto chegou um grupo de 5 ciclistas que supostamente estariam a fazer o Caminho, continuei.
A chuva voltou e destas vez acompanhada por trovoada. Embora longe, o receio de ser “iluminado” deixou-me em alerta até que chegasse a Las Medulas.
Umas quantas voltas até encontrar a Casa Socorro, onde fico alojado hoje e está assim feita a etapa de hoje!
Bom Caminho!